A afirmação, uma entre as tantas proferidas com voz embargada por Irmã Maria Emilia Welter, na noite de sábado (29), justifica a dedicação empregada, por anos a fio, em prol da justiça e da paz, enquanto missionária em Moçambique. Passavam-se quase cinco décadas desde o seu ingresso na vida religiosa, quando, em 2000, aquela que foi uma das primeiras Irmãs de Notre Dame a abdicar do véu aceitou o desafio de migrar para a África. Lá, segundo as Constituições da sua Congregação, ela deveria voltar-se aos pobres e aos marginalizados, para ajudá-los a reconhecer sua dignidade e dar-lhes esperança e coragem, na luta pela vida.
Imbuída deste espírito evangelizador, a religiosa atuou no acolhimento de refugiados políticos, na defesa do direito à terra e aos seus minérios e no combate ao tráfico de crianças e de órgãos, como membro da Comissão Episcopal de Justiça e Paz de Moçambique, na Diocese onde exercia a Missão. Foi pelo trabalho humanitário desenvolvido em Chimoio – caracterizado pelo representante do Conselho Superior da Academia de Letras do Brasil (ALB), Marcos Eugênio Welter, como um exemplo de louvor à criação – que Irmã Emilia recebeu o título de Doutora em Filosofia e práticas humanísticas honoris causa, da instituição. Durante a solenidade, realizada no Centro de Eventos do Colégio Notre Dame, em Passo Fundo – RS, a partir das 19h, a Congregação das Irmãs de Notre Dame, representada pela Superiora da Província da Santa Cruz, Irmã Araci Ludwig, também foi diplomada, por força e mérito da atuação de Emilia.
A honraria, refletiu a Provincial, valoriza o comprometimento permanente da Congregação, presente em 19 países, com a formação de lideranças capazes de fazer a diferença na sociedade e de ajudar a construir um mundo melhor, com a marca da bondade, da justiça, da confiança e da fraternidade. Afinal, de acordo com ela, a Congregação das Irmãs de Notre Dame originou-se de necessidades concretas da sociedade. “A origem da Congregação data da França pós-revolucionária, marcada por um rastro de pobreza, de miséria, de ignorância e de crianças órfãs e abandonadas”, recordou.
Mais de quatro décadas após a fundação da Congregação de Notre Dame – por Júlia Billiart, em 1804 -, duas professoras alemãs inspiraram-se no seu carisma e, no período da Revolução Industrial, também aceitaram o chamado divino e voltaram-se à educação dos mais necessitados. Comprometida com o preparo dos jovens para que pudessem influenciar a sociedade, difundir os valores cristãos e construir um mundo melhor, a nova Congregação desenvolveu-se rapidamente. Ultrapassando o território europeu, se estabeleceu na América, retomou Irmã Araci.
Em 1923, chegou ao Brasil, pois a transformação da sociedade, compreendiam as suas religiosas, deveria acontecer onde e no tempo em que era necessário. No país, as Irmãs dedicaram-se à assistência social, à catequese, à evangelização e à saúde, além da educação. A partir da década de 1970, empenharam-se, também, em Missões. A primeira delas, no Acre – estado que compreendia o município brasileiro com menor Índice de Desenvolvimento Humano. Instalaram-se, também, no Maranhão – onde estava localizado o município com os maiores índices de desnutrição e de mortalidade infantil do Brasil. Além disso, em 1993, voltaram-se para o outro lado do Oceano Atlântico.
Em um país devastado por uma recente guerra civil, as precursoras construíram latrinas, organizaram comunidades e cultivaram chás, descreveu a Superiora sobre o trabalho em terras moçambicanas. De acordo com ela, a criação de grupos de vivência da espiritualidade, a conscientização acerca dos direitos civis, a divulgação de estratégias de prevenção a doenças, o engajamento em causas sociais e a formação de educadores e educandários são as motivações para que as missionárias dediquem seu tempo e sua saúde ao ato de evangelizar – que é, segundo a Bíblia, anunciar e fazer acontecer a feliz nova da Paz, recordou a homenageada da solenidade, Irmã Emília.
Para Elisabeth Souza Ferreira, autora da biografia “Uma Luz em Terras Africanas” – na qual são relatados os primeiros anos em Missão da religiosa diplomada – a honraria foi entregue a alguém que nasceu para servir à humanidade, naquilo que estivesse ao seu alcance. “Este prêmio vem coroar seu trabalho missionário em terras africanas e seu expressivo dinamismo, nos seus 60 anos de vida religiosa”, enaltece.
Membro da Academia Passo-fundense de Letras, assim como a escritora, que na infância foi aluna da religiosa, Ironi Andrade também recordou a vida exemplar que antecedeu a atuação de Emilia como missionária. “Nós, colegas seus no exercício da cátedra, e nossos filhos, também seus filhos, somos testemunhas vivas da sua competência, do seu companheirismo, de sua generosidade, de seu coleguismo, de seu amor ao trabalho e de sua incessante e retilínea busca pelo bem e pelo justo”, afirmou.
Já, a presidente da Academia, Dilce Corteze, enfatizou a esperança que seu trabalho humanitário inspira e o valor do seu reconhecimento público. “Saber que há pessoas abnegadas, capazes de grandes causas, como a Irmã Emilia, faz nosso coração acreditar que ainda é possível sonhar com dias melhores e com uma sociedade mais justa, em que todos possam confraternizar com amor. Que esse merecido prêmio repercuta positivamente, para que mais e mais pessoas sigam seu exemplo e façam um pouco mais pelos carentes”, vibrou.
Por fim, o vice-prefeito municipal, João Pedro Nunes, expressou o orgulho e a gratidão de Passo Fundo, por ter sido o ponto de partida para que a religiosa vivenciasse sua doação ao próximo, por toda a vida religiosa. “Nós da cidade de Passo Fundo somos orgulhosos da sua caminhada e da sua trajetória, que levou adiante o espírito de Santa Júlia Billiart”, concluiu.
Após a cerimônia, aberta com apresentação do Coral Prosit, da Associação Sociocultural Alemã de Passo Fundo, os convidados confraternizaram, em coquetel servido no Espaço Alternativo do Colégio Notre Dame.